sábado, 27 de março de 2010

"O Rock'n'Roll das coisas" - Vitor Paiva

Existe um Rock'n'Roll em todas as coisas. Uma sensação sem nome, que pulsa entre todas elas. Tiroteio, Revolução Russa, Carla Perez, automóvel, lixo, Green Peace, preguiça, assassinato, fá sustenido menor, uma pelada num campo de várzea e uma guimba de cigarro. Não dá pra explicar. Ou você simplesmente entende, ou pode parar a coluna por aqui. O resto dela é artifício.

Na verdade, todo mundo sabe desse Rock'n'Roll, mesmo sem saber que sabe. É só abrir os olhos. Abrace um palavrão. Dance com um avião desgovernado. Ou você consegue realmente apontar quem é vilão e quem é herói? Você acha mesmo que alguém tem o direito de dizer pro Lobo Mau não comer a Chapeuzinho? A parte mais difícil é essa. É que cada Israel é a sua própria Palestina. E vice-versa. Isso é o Rock'n'Roll das coisas.

Quem não consegue perceber a semelhança óbvia (porém misteriosa) entre Kurt Cobain e Drummond? Ou João Gilberto? Entre Bob Dylan e Tom Zé? Augusto dos Anjos e Mick Jagger? Chet Baker e Paulo Leminski? Pina Bausch e Romário? Nietzsche e Garrincha? Entre Hitler e qualquer um de nós? São pessoas que enfiaram o dedo na ferida. Sacudiram. Ás vezes, o que vale é a estranheza.

E não queiram o Rock com estilo musical específico. Afinal, quer coisa mais Rock'n'Roll do que Frank Sinatra cantando My Way? Ou Astor Piazzola. Quer coisa mais Rock'n'Roll do que Cartola? Do que Águas de Março? E Gandhi? Gandhi é muito mais Rock'n'Roll do que Janis Joplin e Jim Morrison juntos.

Está pelos cabelos e em todas as cidades. O Cristo Redentor é Elvis cantando Jailhouse Rock. A Avenida Paulista, A day in the Life, dos Beatles. A Torre Eiffel, em Paris, é All apologies, do NIrvana, e a basílica de São Pedro, em Roma, Bohemian Rapsody, do Queen.

Neste exato instante alguém teve falência múltipla dos órgãos, e outra pessoa achou 10 r$ no bolso. Alguém se atira de um prédio e se arrepende e no mesmo segundo, outro a 3.000 quilômetros dali decide ter um bebê. O Rock'n'Roll que existe em todas as coisas mora no tempo e soa muito além de nomes ou explicações. Quem quiser, que queira.
["O Rock'n'Roll das Coisas", Vitor Paiva em sua coluna na Revista MTV #18, em 2002]

Adoro esse texto, tenho ele há anos, acho fantástico.

2 comentários:

LM disse...

Tudo na minha vida em algum momento se transforma em um Rock'n'Roll. É como uma mola propulsora para que se chegue ao final do dia. Quer coisa melhor do que terminar o dia totalmente diferente do que você pode imaginar?

Havah! disse...

"Pina Bausch e Romário"
que sensibilidade!
Legal achar teu blog, quero ler textos seus agora! (não os do arquivo, os próximos!)
Espero sua visita
até.